FORTALEZA DOS REIS MAGOS
“A Fortaleza altiva, agarrada às raizes.
Nem parece sentir as fundas cicatrizes,
Dos golpes com que o mar o seu corpo tortura.
Evocando o passado, avistam as sentinelas.
No cruzeiro do sul a cruz das caravelas
E as flechas de Poti rasgando a noite escura’.
Frei Santa Tereza, 1643 (Domínio Holandês)"Esse forte é o melhor que existe em toda a costa do Brasil, pois é muito sólido e belo."
Adriaen Verdonck
"Da cidade do Rio Grande [Natal] ao forte chamado os Três Reis Magos há apenas a distância duma pequena meia milha [c. 2 quilômetros], e esse forte é o melhor que existe em toda a costa do Brasil, pois é muito sólido e belo e está armado com 11 canhões de bronze, todos meios-canhões, muitas colubrinas e ainda 12 ou 13 canhões de ferro, estes porém imprestáveis; na entrada do mesmo forte há também 2 peças e daí chega-se ao paiol da pólvora; as muralhas podem ter de 9 a 10 palmos de espessura e são dobradas, tendo o intervalo cheio de barro; ordináriamente há poucos víveres no forte, porque entre esses portugueses não reina muita ordem; a guarnição consta habitualmente de 50 a 60 soldados pagos e com a maré cheia o forte fica todo cercado d'água, de modo que ninguém dele pode sair nem nele pode entrar."
O navegador Américo Vespúcio relatou em carta o chantamento do primeiro marco de posse da terra Brasil.
Estava comandando uma das três naus da esquadra de Gaspar de Lemos, em sua viagem de nominação, reconhecimento e posse daquelas terras asseguradas a Portugal pelo Tratado de Tordesilhas.
América veio a ser o nome de todo aquele imenso Continente, descoberto, anos antes, por Cristóvão Colombo.
Agosto de 1501, mês e ano do chantamento do primeiro padrão português no Brasil.
O dia, 7 ou 17 de agosto. Há controvérsias. Para Américo Vespúcio, 17 de agosto de 1501.
Local: atual Praia do Marco, pontal litorâneo nordeste do Rio Grande do Norte.
Ali, começava a história oficial do Brasil.
Hoje, o Marco de Touros encontra-se na Fortaleza dos Reis Magos e é considerado, como a própria Fortaleza, peça das mais importantes para a museologia brasileira.
Eduardo Alexandre
Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza
Fundação José Augusto
Coordenador
Hélio Galvão
Forte militar, um dos mais importantes do país, nascido com a cidade do Natal em 1598.
Foi ocupado pelos holandeses, quando tomou o nome de Kastell Keulen.
O chefe da Revolução no Rio Grande do Norte a favor da libertação do domínio monárquico, André de Albuquerque, morreu preso e vítima de ferimento grave em uma das celas da Fortaleza no ano de 1817.
Tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, é um dos principais pontos de visitação turística do Estado.
“O forte se erguia, a setecentos e cinqüenta metros da barra, em cima do arrecife, ilhado nas marés altas. É lugar melhor e mais lógico, anunciando e defendendo a cidade futura. A planta é do jesuíta Gaspar de Samperes, que fora mestre nas traças de engenharia, na Espanha e Flandres, antes de pertencer à Companhia de Jesus.
É a forma clássica do forte marítimo, afetando o modelo do polígono estrelado. O tenalhão abica para o norte, mirando a barra, com os dois salientes. No final, a gola termia dois por dois baluartes. O da destra, na curvatura, oculta o portão, entrada única, ainda defendida por um cofre de franqueamento, para quatro atiradores e, sobrepostos à cortina ou gola, os caminhos de ronda e uma banqueta de mosquetaria. Com sessenta e quatro metros de comprimento, perímetro de duzentos e quarenta, frente e gola de sessenta metros, o forte artilhava-se de maneira irrepreensível. Atiraria por canhoneiras e a mosqueteira pela gola em seteira no cofre ou de visada na banqueta. A artilharia principal atirava a barbeta.”
Luís da Câmara Cascudo
História da Cidade do Natal
OS INDÍGENAS DO RIO GRANDE DO NORTE
Walner Barros Spencer
TUPI
Pouco se sabe sobre a origem dos índios que dominavam este território quando da chegada dos europeus. Pode-se dizer que a faixa litorânea era ocupada por índios agricultores, do grupo lingüístico Tupi. Chegaram à região entre os anos 500 e 1000 de nossa era. Os índios encontrados pela frota de Cabral, na Bahia, eram dessa etnia.
Eram sedentários, bem organizados socialmente, bons canoeiros e antropófagos, isto é, comiam carne humana, de maneira ritualística. Orgulhosos, bons guerreiros, hábeis no arco e na flecha, bem como no uso da borduna, um tacape de madeira dura.
Expulsaram os índios tapuias para o interior. Seu principal plantio era o da mandioca, com a qual produziam farinha. Sua cerâmica tinha influências da cultura marajoara, da Amazônia.
Os índios potiguares, que eram Tupi, dominavam toda a costa litorânea do Estado e grande parte do litoral cearense. Possuíam grandes aldeias, como a de Igapó, a de Macaíba, e as que margeavam a Lagoa de Guaraíras, assim como aquelas da região de Georgino Avelino e do rio Curimataú.
O Tupi, no decorrer do tempo, irá misturar-se, biológica e culturalmente, com os colonos europeus, ou com os escravos negros, a depender da maior ou menor posição na estrutura social da época. Houve mistura racial a partir dos mais nobres dos portugueses, aqui radicados, até o menos conhecido dos soldados. É bom salientar que estudos recentes, baseados na comparação de componentes do DNA, demonstraram ser bastante expressiva a contribuição do sangue indígena na população branca do Brasil. No Nordeste, por exemplo, o percentual dessa miscigenação racial ultrapassaria 60 %. No sul, estaria acima de 45%.
Esses índios foram elementos importantes e eficientes nas tropas portuguesas, tendo tomado parte, praticamente, em todas as guerras, lutas e campanhas coloniais, tanto no Brasil quanto em outras colônias lusitanas na África. Guerreiros versáteis formaram as forças auxiliares que atuaram na conquista e na expansão européia de nossa região. Não se deve esquecer que as famosas tropas de sertanistas paulistas – desde as primeiras bandeiras – eram formadas de mamelucos (índio e branco) e de índios puros. A maior parte deles era Tupi, ou formada de seus descendentes.
TAPUIAS
O sertão abrigava uma enormidade de grupos de variados tamanhos, os quais falavam línguas diversas, e eram conhecidos pelo nome genérico de tapuias ou tapuios. Esse nome nada mais representa do que a maneira com que s Tupi denominava a todo e qualquer indígena que não falasse o idioma túpico. Os tapuias dividiam entre eles algumas características homogêneas adquiridas na luta pela sobrevivência em um meio-ambiente freqüentemente hostil ao homem.
As tribos tapuias eram temidas por todos os demais indígenas. Eram diferentes em suas maneiras de ser. Corredores incansáveis e velozes, somente os animais podiam competir com eles. Astutos e cheios de manhas, preparavam emboscadas e armadilhas para os outros. O vigor físico e a valentia desses guerreiros sempre foram características admiradas e respeitadas pelo restante dos indígenas. Eram silenciosos e cautelosos quando iam à guerra. Ao avistarem seus inimigos arremetiam contra eles numa rapidez sem igual. O barulho que faziam, então, era ouvido ao longe, por entre as ramagens da caatinga ou da mata litorânea.
Exímios flecheiros, suas flechas certeiras eram letais. Excelentes rastreadores seguiam os inimigos por lugares difíceis e ásperos. Conhecedores dos terrenos que palmilhavam, reconheciam todos os seus acidentes, o que lhes permitia aparecer de surpresa por sobre as tropas européias.
Era típico de algumas tribos – dos janduís, por exemplo – o uso de propulsores de arremesso. Construídos em madeira, esses instrumentos de lançamento de dardos, podiam multiplicar por dez a força de impacto, sem perda da precisão no atingir o alvo. Os dardos, geralmente, tinham pontas de pedra cortantes que atravessavam o corpo de um homem.
Um aspecto peculiar desses indígenas foi sua adaptação à maneira do europeu lutar. Ela incluía o perfeito conhecimento do manejo dos diversos tipos de armas de fogo. Esta característica será a grande responsável pela vigorosa resistência que eles irão impor aos portugueses durante mais de 25 anos nos sertões do Rio Grande do Norte e Ceará. Esta resistência – o Levante do Gentio Tapuia – era, anteriormente chamada, errônea e preconceituosamente, de Guerra dos Bárbaros (Séc. XVII-XVIII).
Muitos índios tiveram papel de destaque tanto na conquista da terra auxiliando os europeus, quanto na resistência à colonização do território. Nunca são lembrados, em que pese os indígenas terem sido sempre, em quase todas as circunstâncias, os responsáveis pelo sucesso da dominação européia da terra brasileira. Seja como o principal contingente guerreiro – em quantidade e em qualidade – quanto pelos ensinamentos de como sobreviver em um ambiente tropical, completamente diverso do ambiente da Europa.
Os documentos históricos estão repletos de nomes nativos, nomes que os livros de história teimam em não fazer conhecidos, mas cuja memória merece igual respeito ao menos do que qualquer prócere português.
Assim, nessas terras soaram milhares de vezes o som de chamada de um Itaobo, Pirangibe, Paraguassu, Zorobabé, Ibiratinim, Metaraobi, Ipanguaçu, Jaguarari, Canindé, Janduí, dentre centenas de outros.
TRATADO DE TORDESILHAS E PRIMEIRO MARCO HISTÓRICO
Walner Barros Spencer
A disputa entre Portugal e Espanha em relação à posse das terras descobertas e por descobrir, instaurada logo após a chegada de Cristóvão Colombo nas terras americanas (1492), e antes de Vasco da Gama ter chegado a Calicute, na índia (1498), resultoutas no Tratado de Tordesilhas (1494), pelo qual, por meio de um meridiano traçado a 370 léguas ao ocidente das ilhas de Cabo Verde, a Terra era dividida em duas zonas de influência desses dois países. O Tratado, obviamente, não comprometia a outros países, como a França, a Inglaterra.
D. Manuel I, o Venturoso, rei de Portugal, preparou uma poderosa e competente esquadra para garantir o domínio do comércio das especiarias nas Índias, e tomar posse do quinhão correspondente às terras do Novo Continente no qual chegara Cristóvão Colombo. O nobre português Pedro Álvares Cabral foi designado para o comando geral dessa expedição diplomática-militar que primeiramente chegou ao Brasil em 22 de abril de 1500.
Em 1501, Gaspar de Lemos, comandante da caravela que retornara a Portugal com a nova do achado da terra brasileira, retorna por ordem do Rei, para explorar a costa da nova terra e firmar-lhe a posse. É então que foi chantado o marco português em uma enseada de ondas fortes do litoral setentrional, hoje na divisa dos municípios de Pedra Grande e de São Miguel do Gostoso, no local atualmente chamado de Praia do Marco, no Rio Grande do Norte. Nesta expedição veio o florentino Américo Vespúcio.
BANDEIRA DA ORDEM DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO (
A Ordem de Cristo, como era mais comumente conhecida, era na realidade a haerdeira da Ordem dos Cavaleiros Templários, que fora extinta por graves acusações manipuladas pelo Rei Felipe, o Belo, de França, em 1311. Muitos reis aproveitaram-se da ocasião e confiscaram o enorme patrimônio da Ordem do Templo em seus domínios. Com a exceção de Espanha e Portugal. O rei português, D. Diniz, transferiu o fabuloso patrimônio dela para uma outra ordem que ele criou: a Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, cuja função será a de combater os mouros e, mais tarde, financiar as navegações e descobrimentos na intenção de salvar as almas dos gentios.
O Grão-Mestrado da Ordem esteve quase sempre na família real, e após 1551, com D. João III, tornou-se privilégio hereditário perpétuo dos sucessores reais da Casa de Portugal.
A insígnia da Ordem é uma cruz vermelha, quase quadrada, fendida no meio com outra branca, diferente da cruz templária, que era toda vermelha. Este símbolo decorava o velame das caravelas de Cabral e dos outros navegantes portugueses, e ornava igualmente os estandartes dos bandeirantes e entradistas do século XVII.
BANDEIRA REAL (
Criada, em fins do século XV, pelo rei de Portugal D. João II, representava a união do Estado Monárquico português e da Igreja Católica Apostólica Romana. Foi adotada como pavilhão oficial de Portugal pelo rei D. Manuel, o Venturoso (1495-1521).
O escudo sobreposto à cruz da ordem de Cristo que apresenta é símbolo maior das intenções da Igreja e de Portugal de catequizar outros povos. A Bandeira Real simbolizava todas as conquistas portuguesas e presidia todos os acontecimentos importantes havidos no Brasil até 1521, quando foi substituída pela Bandeira de D. João III.
O escudo de armas representa a união dos Reinos de Portugal e Algarves. Portugal está representado por cinco escudetes azuis, postos em cruz, cada um com cinco bezantes de prata postos em Santor.
A bordadura vermelha com castelos dourados representa o Algarves.
Os sete castelos dourados sobre fundo vermelho aludem ao sangue português derramado na guerra contra os mouros, e as praças fortes conquistadas.
AMÉRICO VESPÚCIO
Era um mercador, navegante e explorador, tendo nascido em Florença, em 1454, e falecido em Sevilha, em 1512.
Foi na viagem de exploração ao Brasil, comandada por Gaspar de Lemos, que ele, tendo percorrido a costa até a embocadura do Rio da Prata, concluiu que a terra encontrada era um novo continente. Em sua homenagem o Novo Mundo recebeu o nome de América.
Estando ao serviço de Portugal, narrou a viagem em sua famosa carta – Lettera – dirigida a Pietro Soderini, narrando fatos acontecidos, fazendo observações e batizando os principais acidentes geográficos encontrados.
BANDEIRA DE D. JOÃO III (1521-1616)
D. João III recebeu o trono português num período desfavorável a Portugal. Intensificaram-se os ataques de piratas franceses no Atlântico. Os ingleses infestavam os portos portugueses, e domínios lusitanos na áfrica eram perdidos. A Cruz da Ordem de Cristo é retirada da Bandeira, restando somente o escudo de armas dos reinos de Portugal e Algarves, encimados por uma coroa aberta real.
É nesse mesmo período que foi desenvolvido um amplo trabalho colonizador no Brasil, com a expedição de Martim Afonso de Souza (1530); a implantação das Capitanias hereditárias (1534); a instituição do Governo-Geral (1549); e a divisão do Brasil em dois governos: Bahia e Rio de Janeiro (1572).
CAPITANIAS HEREDITÁRIAS
Quando se dá o conhecimento da terra do Brasil, Portugal tem pouca experiência de colonização. Interessa-lhe o comércio, a troca de mercadorias, a aquisição de mercadorias de alto lucro. Assim, somente criam feitorias – postos comerciais defendidos militarmente. As ilhas de Porto Santo e Madeira servirão de experiência de administração de terras e gentes para eles. É onde será implantado o sistema de capitanias hereditárias, doadas a gente capaz de povoá-las e fazê-las render. O sistema terá sucesso.
No Brasil, no início, foram criadas algumas feitorias, inclusive uma em Pernambuco, mas o comércio dos produtos naturais brasileiros era irrisório quando comparado com as especiarias.
Na medida
Grandes lotes de terra eram doados a nobres comprovadamente eficazes, com importantes isenções, e direito de justiça, inclusive, mas com a obrigação de povoar e defender a capitania recebida.
A Capitania do Rio Grande, a mais extensa de todas, foi doada por Dom João II, Rei de Portugal, em
Um dos aspectos que impediu a colonização foi a presença dos Potiguara, indígenas bem organizados socialmente, orgulhosos, senhores de si, extremamente agressivos e excelentes flecheiros e canoeiros. Estima-se que chegavam a 30-40 mil valentes guerreiros.
Após a morte de João de Barros, a Capitania reverteu para a Coroa, que pagou tença ao herdeiro legal. Ela continuou a ser paradeiro de franceses, que estacionavam geralmente no Rio Grande, o Potengy dos potiguares.
JOÃO DE BARROS
Nasceu provavelmente em Viseu, em 1496, e faleceu
É considerado o Lívio português e o primeiro grande historiador colonial, um pioneiro do Orientalismo e um dos principais humanistas de Portugal.
Escreveu diversos trabalhos pedagógicos, sobre moral e gramática, o que fez dele um renomado inovador educacional.
Obras famosas suas foram Crônica do Imperador Clarimundo, em 1520, e a sua obra-prima, Décadas, em que escreve a história épica dos portugueses na Ásia, que foi publicado em 1552.
Era um intelectual de valor e com profundo interesse por outras culturas e saberes. Mandou procurar manuscritos orientais de diversas fontes e os fez traduzir por especialistas. Infelizmente, muitas de suas obras em geografia, comércio e navegação desapareceram após sua morte.
Serviu aos reis de Portugal, D. Manuel I, e D. João III. Foi um brilhante e eficiente servidor público. Foi tesoureiro e logo após, feitor da Casa da Índia e Mina, o equivalente ao posterior cargo de agente real para as colônia.
EXPEDIÇÃO DE CONQUISTA DE MANUEL MASCARENHAS HOMEM
Na intenção de expulsar definitivamente os franceses do litoral e ancoradouros do Rio Grande, a Coroa portuguesa, então unida à Espanha, mandou, por Carta Real, que o Governador-geral, D. Francisco de Souza, organizasse uma expedição que viesse à Capitania abandonada, expulsasse os estrangeiros, erigisse um forte e fundasse uma cidade, para garantir a expansão territorial luso-ibérica.
Em 25 de dezembro de 1597 chegou na foz do rio Grande (Potengy) a expedição de conquista dirigida pelo Capitão-mor de Pernambuco, Manuel Mascarenhas Homem.
Logo depois chegavam as tropas comandadas por Feliciano Coelho, Capitão-mor da Paraíba.
No total, por mar e terra as forças eram formadas de três companhias de soldados de infantaria, um de cavalaria e 900 índios flecheiros.
Dentro em pouco, estão em renhido combate com os franceses e potiguares e fortificam-se em um fortim temporário feito de galhos, ramos e barro.
Além dos militares e guerreiros indígenas, vieram também os franciscanos padres Bernardino das Neves e João de São Miguel, e os padres jesuítas Francisco de lemos e Gaspar de Samperes, para catequizar aos nativos. Samperes era engenheiro e será ele o responsável pela traça arquitetônica da primeira fortificação.
O FORTE DOS REIS MAGOS
Logo de início, pressionado pelos constantes ataques dos nativos e dos franceses, foi construída uma fortificação provisória – simples paliçada na praia, fora do alcance das marés - para garantir um mínimo de segurança para abrigar a gente da expedição.
O início das obras deu-se no dia 06 de janeiro de 1598, e foi concluída em 24 de junho do mesmo ano. O dia inicial das obras é o dos Santos Reis, de onde o nome de Forte dos Santos Reis, ou dos Reis Magos. Nessa obra Nela trabalharam cerca de 800 homens, a maior parte formada de indígenas inimigos dos potiguares
A planta do Forte elaborada pelo padre Samperes apresenta a forma clássica de um polígono estrelado.
O comando da fortaleza foi entregue a Jerônimo de Albuquerque, que continuou a ter duros combates com os indígenas. Até o corriqueiro fato de pegar água e lenha onvencidos pelos padres jesuítas, os indígenas da região – que chegavam a 30.000 guerreiros – sob a chefia de seus morubixabas, contratam um Tratado Perpétuo de Paz e Aliança com os portugueses, na cidade de Filipéia de Nossa Senhora das Neves – atual João Pessoa - com proclamas nas outras Capitanias e cerimônia oficial, com todos os tradicionais ademanes diplomáticos. Era o dia 11 de junho de 1599.
Esta edificação militar proporcionou e garantiu não só a conquista da Capitania, mas foi, principalmente, a base para a expansão e consolidação da conquista territorial portuguesa do norte do Brasil. Jerônimo de Albuquerque parte deste Forte para a expulsão dos franceses e a conseqüente conquista do Maranhão, recebendo o auxílio das forças indígenas comandados por Camarão e Jaguarari; Martim Soares Moreno parte dele para fundar o Ceará, auxiliado por Jacumã e seus guerreiros, e Francisco Caldeira Castelo Branco, para fundar a cidade de Belém, no ímpeto para alcançar a Amazônia.
A edificação inicial era muito frágil perante o embate do mar. Em 1614, são iniciadas as obras complementares da nova e sólida construção de pedra e cal da fortificação, sob a direção do Engenheiro-mor do Brasil, Francisco Frias de Mesquita. Data de então o formato que possui atualmente. Estará completamente pronto em 1628.
Em meados do século XVII, o Forte, pela sua localização e solidez, era considerado uma das melhores fortificações do Brasil.
Mesmo tendo sofrido reconstruções e reformas, sempre manteve as características básicas da planta original.
Foi ampliado e reformado de1863 a 1874, e rearmado. Em 1881 seus canhões foram cobertos por não operacionais. Em 1949 foi tombado pelo órgão então responsável pelo patrimônio histórico nacional e incorporado ao patrimônio cultural da Fundação José Augusto por decreto do Governo do Estado.
CAPELA DOS SANTOS REIS
A Capela nasce junto com o Forte, em 1598, e nela é rezada a primeira missa, no dia 24 de junho.
Em 1753 chegam as imagens escultórias dos padroeiros, doadas por D. José I, rei de Portugal.
Em
Em 1901 as imagens dos Santos Reis são transladadas para a Igreja Nosso Senhor do Bom Jesus das Dores, no bairro da Ribeira.
As imagens são conduzidas e transferidas em procissão para a Capela dos Santos Reis, no Morro da Limpa, ao lado do mar e bem próximo da boca do Potengi, nas vizinhanças imediatas da Fortaleza. O lugar não era de fácil acesso por causa das dunas.
Em
Em 1961 foi inaugurada uma nova Capela, fronteira à outra, que foi transformada em sacristia.
FUNDAÇÃO DA CIDADE DE NATAL
Foi a contratação da paz com os indígenas Potiguara que finalmente permitiu que se efetuasse a fundação da cidade de Natal, num alto à margem esquerda do rio Grande, onde provavelmente se arranchara a tropa de Feliciano Coelho, pois tinha água doce.
O nome da cidade deriva do fato dos atos de fundação terem tido lugar em 25 de dezembro. O ano era o de 1599.
Nascida cidade, terá um lento desenvolvimento, no entanto, pela dificuldade de trânsito com o interior.
JERÔNIMO DE ALBUQUERQUE
Era mameluco, filho de Jerônimo de Albuquerque e de Ubira-Ubi, filha do morubixaba Arco Verde.
Foi figura de destaque na história do Brasil, de modo geral, e da Capitania do Rio Grande, de modo particular.
Estava na frota que chegou em 1597 para a conquista do Rio Grande, e na construção do Forte, do qual foi o primeiro comandante, tendo sido nomeado por Mascarenhas Homem. Mais tarde foi escolhido para ser o primeiro Capitão-mor da Capitania.
No comando deste Forte trabalhou com os missionários para a realização das pazes com os indígenas potiguares.
Dele se dizia em relatórios oficiais da Coroa: “Sem índios não se pode fazer guerras e sem Jerônimo de Albuquerque não temos índios”.
Em 1612, parte deste Forte para a expulsão dos franceses e a conseqüente conquista do Maranhão. Pela vitória alcançada lhe será permitido usar do sobrenome Maranhão, que será uma importante família na história do Rio Grande do Norte. Foi auxiliado pelos forças indígenas comandados por Camarão e Jaguarari.
Em razão de seus feitos recebeu o título de Cavalheiro Fidalgo da Casa Real.
A família Albuquerque Maranhão ainda prestará honrosos serviços na história do Rio Grande do Norte.
Faleceu no Engenho Cunhaú, em 1618, e foi sepultado na Capela do estabelecimento.
MANUEL MASCARENHAS HOMEM
Filho de Vasco Fernandes Homem, fidalgo agraciado com a comenda da Ordem de São Bento de Avis.
Participou de lutas na África e nas Índias.
Veio para o Brasil para prestar um serviço e acabou nomeado Capitão-mor da Capitania de Pernambuco, a qual governou de
Desempenhou várias missões importantes, inclusive a expulsão dos franceses do litoral nordestino, a conquista da Capitania do Rio Grande e a construção do Forte.
Voltou a Portugal, onde exerceu diversas funções públicas de grandes destaques.
Recebeu o título de Conselheiro Real e a condecoração de comendador da Ordem de Cristo.
D. ANTÔNIO FELIPE CAMARÃO
Indígena da nação potiguar, de etnia Tupi, nasceu nos idos de 1580, na aldeia de Igapó, do outro lado do rio Potengy. Falece em 1648, em sua fazenda, logo após a primeira Batalha do Guararapes e durante o cerco à cidade do Recife..
Seu pai – Potiguassu – foi figura de destaque na gênese da Capitania. É um dos heróis estaduais.
Em 1612, realizou-se na Aldeia Velha, em Igapó, seu batizado e seu casamento com Clara Camarão, uma indígena potiguar.
Por seu carisma e habilidade conseguiu integrar socialmente aos indígenas e europeus. Era um renomado chefe de tropa, excelente tático e valente nos combates.
Sua bravura, lealdade e nativismo renderam-lhe a patente de Governador e Capitão-mor dos Índios, e a comenda de Cavaleiro da Ordem de Cristo, concedida pelo Rei de Espanha e Portugal, instituindo-lhe um brazão de armas. Tornou-se, portanto, um nobre.
O DOMÍNIO HOLANDÊS (1633-1654)
Desde a tomada de Olinda, em 1630, pela Companhia Privilegiada das Índias Ocidentaios holandeses tencionavam ocupar a Fortaleza dos Reis Magos, mas sua aproximação era sempre repelida pelos canhonaços precisos e intimidadores.
Em 8 de dezembro de 1633, 2.000 soldados holandeses, duma esquadra de 16 navios, sob o comando do Almirante Jan Lichthardt e do Tenente-coronel Balthazar Bijma, auxiliados pelo conhecimento de Domingos Calabar, cruzaram a barra do Potengi. A parte de infantaria, cerca de 800 soldados haviam desembarcado, anteriormente, na baía de Ponta Negra. O Forte, cercado por terra e por mar, foi bombardeado, durante quatro dias.
Pero Mendes de Gouveia, seu comandante, resistiu durante algum tempo, mas terminou por render-se. Pra alguns historiadores, a capitulação foi feita à sua revelia, pois ele estava ferido. Horas mais tarde chegaram os reforços portugueses, que tiveram de se retirar.
O Forte permaneceu mais de vinte anos sob o comando holandês. Seu nome foi substituído para Castelo Keulen, em homenagem a um dos diretores da Companhia que assistiu à capitulação.
Em 1654, ao fim da guerra, com a capitulação holandesa na Campina do Taborda, os ocupantes do Forte o abandonaram e foram-se embora em suas embarcações.
BANDEIRA DO BRASIL HOLANDÊS – 1645
O Mercantilismo, doutrina econômica típica da Europa do século XVI e XVII foi adotada pelos Países-Baixos.
Foto: Ianê HeusiA Holanda era a maior potência marítima de então, possuía um dinâmico sistema comercial e desenvolvida indústria têxtil representados por uma robusta e empreendedora classe burguesa. Transportavam e comercializavam o açúcar produzido no Brasil.
A União das Coroas Ibéricas, em 1580, quebrou tal relacionamento, pois Espanha e Holanda eram inimigas e estavam em guerra.
A retomada do controle sobre esse comércio mundial foi uma das principais razões da invasão do Nordeste pela Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais – GEOCTROYERD WESTINDISCHE COMPANIE – companhia privada com participação acionária do Estado Holandês.
A bandeira do Brasil holandês tem as cores do pavilhão holandês, em três faixas: vermelho, prata (branco) e azul, acrescidas de dois símbolos: a coroa do Conde João Maurício de Nassau e o monograma da Companhia das Índias Ocidentais, combinados com as três letras ligadas ao nome de Johannes Maucicius de Nassau.
Maurício de Nassau instituiu o brazão de armas do Rio Grande do Norte holandês, tendo por armas um rio, com uma ema em suas margens.
Para Barleus, historiador do Príncipe de Orange, porque tais animais existiam ali em abundância; Para Câmara Cascudo, como homenagem a Jandui, ou Nhandui-i – ema pequena em tupi -, principal de um importante grupo de indígenas tapuias aliados dos holandeses.
CONDE JOÃO MAURÍCIO DE NASSAU
Nasceu em1604, na localidade de Dillenburg, Alemanha, e faleceu em 1679, na Alemanha.
Excelente administrador, progressista, e brilhante militar. Participou de várias campanhas contra os espanhóis, pois os Paises-Baixos estavam em guerra com a Espanha.
Em 1636, foi convidado pela Companhia das Índias Ocidentais para ser o Governador-geral e Comandante-em-Chefe das conquistas e das forças armadas no Brasil.
Ao chegar ao Brasil, vinha acompanhado de artistas, pintores, sábios, cientistas de diversas áreas e artesãos e técnicos de várias especialidades. Graças a esta iniciativa pode-se hoje resgatar expressiva parte da história do Brasil, seja pela literatura narrativa e documental, quanto pela pintura e desenhos, bem como através de relatórios e coleções científicas.
Nassau concedeu brasões de armas distintivos às regiões conquistadas para diferenciar a jurisdição das capitanias sob o domínio holandês.
Em 1644 retornou à Europa devido a divergências com os administradores da Companhia. Sua saída acarretou o início da decadência da Companhia no Brasil.
REVOLUÇÃO REPUBLICANA DE 1817 EM NATAL
A Capitania do Rio Grande do Norte aderiu ao movimento de proclamação da República – de inspiração maçônica - iniciado em Pernambuco, em 1817.
O chefe do movimento no Rio Grande do Norte foi André de Albuquerque Maranhão, tendo ao seu lado Frei Miguelinho.
Malferido e preso, André foi encarcerado no “quarto escuro” da Fortaleza, e faleceu um dia depois, em 26 de abril de 1817. Foi sepultado sem cerimônia na Matriz de Natal. Frei Miguelinho foi fuzilado em Salvador, no mesmo ano.
Para Câmara Cascudo, a revolução de 1817 foi a mais linda, inesquecível e inútil das revoluções brasileiras.
ANDRÉ DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Nasceu no Rio Grande do Norte por volta de 1790, morreu em Natal, em 1817.
De família tradicional, nobre e rica, cujo tronco foi Jerônimo de Albuquerque Maranhão. Era grande proprietário rural, senhor do Engenho Cunhaú e Coronel da Milícia.
Morto esfaqueado na contra-revolta foi sepultado – sem cerimônias religiosas - na Matriz de Natal, a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação.
FREI MIGUELINHO
Nascido em 17 de setembro de 1768, Miguel de Almeida Castro foi carmelita, dotado de grande cultura, com estudos de aperfeiçoamento em Lisboa.
Entusiasta das idéias liberais da época era filiado a sociedades secretas, como a Maçonaria, que conspiravam em toda a América pela independência das colônias.
Foi Secretário da Revolução Republicana. Preso e enviado para a Bahia, portou-se com serenidade e bravura, defendendo e buscando inocentar a todos os outros. Antes de ser preso, destruiu documentos que incriminariam centenas de pessoas.
Foi fuzilado no Campo da Pólvora, em Salvador, em 12 de junho de 1817.
CURIOSIDADES SOBRE O FORTE
Serviu de apoio à conquista do Ceará, Pará, Maranhão e o restante do Norte do Brasil.
Possui um sistema de captação de águas pluviais que era armazenada em uma grande cisterna.
No centro da Praça de Armas, sob a abóbada que sustenta a Casa da Pólvora, existe um poço que, nas marés altas, oferece água doce, e cuja construção é, conforme alguns pesquisadores, responsabilidade dos holandeses.
A Casa da Pólvora era elevada para que a pólvora negra, usada nos primeiros séculos, não absorvesse humidade.
A Capela primitiva era a um canto da construção e possuía um alpendre. Alguns poucos vestígios deste alpendre foram encontrados na campanha arqueológica de 1994.
As escadas da Casa da Pólvora e da Cisterna são do século XVIII quando de uma das reformas da Fortaleza.
Por detrás da Casa da Pólvora foi encontrada, durante escavações arqueológicas, em 1994, parte da estrutura de um fogão, feito de pedras amontoadas e que é da época da construção do Forte. Junto havia vestígios de escória de chumbo derretido para fazer pelouro.
No pavimento superior existia um cais estratégico por onde era possível abastecer o Forte por barcos. Os volumes eram erguidos através de uma grua manual. Coincide com a abertura que chamam de ‘porta falsa’ que permitia as pessoas embarcarem em condições de cerco, pois o Forte fica isolado durante as marés cheias.
A fortificação foi residência de muitos Capitães-mores.
Vultos importantes marcaram presença no Forte, dentre eles o Conde Maurício de Nassau, Franz Post, Barleus, Eckout, Felipe Camarão, Calabar, Jaguarari, Potiguassu, Jacob Rabi, Janduí, Antônio Paraupaba, Jacumã, Pero Coelho, Padre Luiz Figueira, Padre Francisco Pinto.
Serviu de prisão a heróis e mártires, bem como viu finarem-se outros. Dela saíram tropas holandesas para massacrarem moradores portugueses no Engenho Ferreiro Torto e Uruaçu, na região de Macaíba. Pessoas sensitivas dizem já ter visto imagens fantasmagóricas circulando pelo local.
Conforme alguns pesquisadores, existiu um ‘quarto escuro’ no subsolo da Praça de Armas, construído pelos holandeses, mas que não foi encontrado na metade da Praça que foi escavada.
A parte posterior do calçamento do pátio central é, muito provavelmente, de meados do século XVIII, e adota o estilo de calçamento dito açoriano: um quadrado reforçado de pedras largas preenchido com pedras menores não encaixantes.
Segundo Raul de Valença, a construção do Forte se deu quando “as necessidades de ordem militar e econômica forçaram os portugueses a expulsar os franceses do território potiguar, a fim de tornarem mais efetivo o seu domínio sobre a terra conquistada, surge o Rio Grande como fator geográfico de acentuada importância. Por constituir uma magnífica via de penetração, que permitiria aos lusos estenderem o seu domínio terra adentro, transformou-se o Rio Grande em ponto de apoio para a fixação dos colonizadores no solo potiguar”.
INFORMAÇÕES VÁRIAS
1501 – A esquadra portuguesa de Gaspar de Lemos e Américo Vespúcio descobre o Cabo de São Roque, nas costa do Rio Grande do Norte.
1631 – O Forte dos Reis Magos repele a tentativa frustrada de assalto à Capitania do Rio Grande, por Steyn Callenfels, que comandava 14 navios e 19 companhias de guerra.
1645 – Moradores portugueses presos na Fortaleza são levados para a localidade de Uruaçu, algumas léguas rio acima, e são massacrados sem defesa.
1648 – Jacob Rabi é assassinado em Natal, do outro lado do rio.
1817 – a Capitania do Rio Grande do Norte fica independente de Pernambuco.
Livro de Veríssimo de Melo confirma que Forte não foi obra de padre
Luiz Gonzaga Cortez
A presidente da Fundação José Augusto, a assistente social e ex-professora da ESAM, Isaura Amélia Rosado, em entrevista concedida à jornalista Hayssa Pacheco, do Diário de Natal, anunciou hoje a instalação de uma “exposição histórica sobre a Fortaleza dos Reis Magos, quer vai contar a história do Forte”. Muito boa a iniciativa, mas será melhor, ainda, se a FJA procurar enfocar os autores e documentos que divergem da versão oficial sobre a autoria do projeto de sua construção, atribuído ao padre Gaspar de Sam Peres (ou Gaspar de Samperes?), um sacerdote jesuíta responsável por uma tosca, grosseira e inútil obra na boca da barra do rio Potengi. O que o referido padre fez mesmo foi obrar, pois o que “projetou” não agüentava nem um tiro de espingarda de soca. A Fortaleza dos Reis Magos foi desenhada e construída pelo Francisco de Frias da Mesquita, engenheiro-mor do Brasil, que acompanhou e fiscalizou, pessoalmente, todas as etapas dos serviços. Eu não sou o primeiro a escrever sobre Frias, não. Hoje, 16 de dezembro de 2006, tenho em mãos um exemplar do “Calendário Cultural e Histórico do Rio Grande do Norte”, de Veríssimo de Melo, editado pelo Conselho Estadual de Cultura-RN (Natal, 1976), que, na página 29, registra o seguinte: “6.1.1598 – Inicio da construção da atual Fortaleza dos Reis Magos, obra do engenheiro-mor Francisco Frias de Mesquita, sendo concluída entre 1614 e 1619”. Eis aí um “gancho” para os jornalistas e pesquisadores sobre as fontes que Veríssimo de Melo utilizou para escrever o seu calendário cultural e histórico.
Mas os folcloristas e historiadores do Rio Grande do Norte continuam escrevendo que foi o padre Gaspar quem construiu o forte.
Até hoje não encontrei os motivos para se omitir fontes bibliográficas brasileiras e portuguesas sobre o Forte dos Reis Magos, em Natal, considerado um dos principais pontos turísticos da capital.
Aqui, nos últimos anos, foram publicados vários livros e estudos sobre esse monumento histórico, inclusive “atlas” , mas continuam repetindo as velhas lorotas, de que a atual fortaleza foi projetada pelo padre Gaspar de Samperes.
Mas se acham que foi o Padre Samperes que construiu a fortaleza dos Reis Magos é porque não querem buscar fontes fidedignas e sérias que existem há muitos anos. Vou citar duas fontes, uma escrita e outra da Internet .A primeira é o Volume 9, de 1945, páginas 9 a 84, da Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, edição do antigo Ministério da Educação e Saúde, que publica ensaio sobre “Francisco de Frias da Mesquita, engenheiro-mor do Brasil”, de autoria de D. Clemente Maria da Silva-Nigra. O. S. B. Se o leitor acessar o sítio www.funceb.org.br vai encontrar mais informações a respeito ou ir direto a www.funceb.org.br/revista9/06_Frias-da-Mesquita.pdf. Lá, vocês vão saber que o padre Gaspar de Samperes fez o 1º projeto da Fortaleza dos Reis Magos, mas a atual edificação foi desenhada e executada diretamente por Frias da Mesquita. Na página 23 do ensaio de D. Clemente, quando se refere à fortaleza de Cabedelo, Paraíba, outro projeto de Frias, o autor escreveu o seguinte: “Semelhante à Reis Magos, a fortaleza fora construída com material precário; fabricada de huas (duas) taipas fraquíssimas em area solta, sem modo ou regra algua de fortificação pelo q não podia resistir a qualquer encontro de inimigos”. Em resumo, era uma construção feita de duas paredes de taipa, nas dunas (areia solta), que não tinha nada de fortificação militar. Compare a descrição de “duas taipas” para a magestosa fortificação de hoje, com corpo da guarda, prisões civis, calabouço militar, almoxarifado, depósitos, quartéis, cisternas, subidas para as baterias, prisões subterrâneas, casa do comandante, cozinha, estado-maior, capela e farol. O padre Samperes deixou uma tapera que não agüentaria um tiro de espingarda de soca. Frias da Mesquita deixou uma construção feita com cal, pedra e azeite mais forte, que substituiu o casebre de pau, barro e palha.
O PhD em arquitetura Augusto C. da Silva Telles, graduado em 1948, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro é o autor do texto do texto sobre os fortes das costas brasileiras projetados, desenhados, justificados (manuscritamente) e executados pelo engenheiro Francisco de Frias da Mesquita. Dr. Telles assegura que o governador D. Diogo de Menezes contratou o arquiteto português para construir o forte Natal, pois “o primeiro projeto foi projetado pelo padre jesuíta Gaspar Samperes, segundo Frei Vicente do Salvador, mas anos depois deteriorou-se”, antes de 1614, e que a edificação de Frias “ainda se conserva no local, próximo da cidade de Natal”. Augusto Telles, na extensa bibliografia, cita Gaspar Barléus, Vitterbo Souza, Silva Nigra, Diogo de Campos Moreno, Francisco Adolfo Varnhagen, Frei Vicente do Salvador e Pedro Calmom, entre outros. Frias da Mesquita construiu os fortes da Laje (Recife), do Mar (Salvador), São Diogo (Salvador), São Mateus (Cabo Frio-RJ), São Felipe, São Francisco e São José(São Luís do Maranhão), Santa Catarina (Cabedelo-PB), além de igrejas e mosteiros no Brasil.
Não acredito que o arquiteto Augusto C. da Silva Telles esteja equivocado.Creio que os folcloristas potiguares estão incorretos sobre a autoria do projeto e que a FJA poderia se aprofundar nas pesquisas pertinentes, examinando as anotações de Francisco de Frias da Mesquita, publicadas no volume 9 da revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, de 1945. Eu tenho um exemplar da revista, apesar de parcialmente danificado, mas são boas as reproduções das anotações de Frias sobre a Fortaleza dos Reis Magos. Você duvida? Ou você quer continuar com a mania estalinista de adulterar e distorcer os fatos históricos?
*Jornalista e pesquisador
Forte dos Reis Magos
Ilustração: Toni Lucena Arte@Metro
TEXTO LATINO
AD ARGEM TRIUM REGUM MAGORUM GENTIS DECUS LUSITANAE NOSTRARUMQUE GLORIA RERUM CARMEM
O Arx, quae nomen dilecta Triumque Magorum
Tempus in omne decus servas nostrumque perenne!
Gloria quaeque Potiguarum, tibi dico salutem!
Terque quaterque colendi, nunc salvete vetusti
Acquati coelo muri, quos nocte dieque
Verberat unda maris, quos el sol lumine vestit!
Illius nomen Populi pietate sereni
Imperioque superbi qui olim primus ab oris
Et vento profugus Lusis haec litora venit,
Servas et famam terracum clara per orbem.
Grata Potiguaranas, sicut Stella, ferebas
Hás Lusitanos terras gentesque petentes.
Nunc vigi! nautae cursum tu pandis al altum!
Quamquam fracta ruinis, Arx, sic alta manebis,
Quo rerum sonet altius usque poema tuarum
Arma, lápis, muri tenuere silentia cuncti,
Sed restans antiqua fidelis testis imago,
O Arx, tu memorato nostro corde sedebis!
Rerum nostrarum sub tegmine celsa recumbens,
Salve! Quae nobis famam nomenque dedisti.
Natalensis praesidum gentisque saluto,
Urbis quae nomen Cristi deducit ab ortu.
Stellarum sub lumine nocte quiesce silente!
Illud opus tradis nobis aliisque relinquis,
Imber quod nec edax poterit delere vetustas.
Quasque Patet Per Terras Nostri Fama Celebris
Hic nostrorumque tuumque erit indelebile nomen.
O utinam te longa per omnia saecla canendam
Postera Gens habeat, nostrarum gloria Rerum!
TEXTO EM VERNÁCULO
O Forte — lutador de eras passadas —
Vê desfilar, das vagas no lençol,
O pacato cortejo das jangadas”.
E, evocando:
“Em segredo conserva o poema antigo
das guerras holandesas, das batalhas
Sustentadas com o bátavo inimigo. . .
Vezes, porém, parece que se alteia,
Perdida no silêncio das muralhas,
A voz de Pedro Mendes de Gouveia”.
Antonio Soares
O FAROL DOS REIS MAGOS
Do seu posto de antiga sentinela,
Longo trecho da costa dominando,
Seja noite de calma ou de procela,
Vai o farol lampejos espalhando...
Um de rubro, a fulgir de quando em quando,
E dois outros de luz argêntea e bela,
Com a mesma vigilância acompanhando
A negra chaminé e a branca vela.
Velho credor da nossa velha estima,
Adeus! dirá, se o mar dele afastar-te,
Salve! diz ao viajor que se aproxima...
E, assim, beijos de luz ao longe solta,
Aumentando a saudade de quem parte
E extinguindo a saudade de quem volta.
Antônio Soares
A FORTALEZA DOS REIS MAGOS
Todas as vezes que ando pela praia
sobre esses alvos cômoros tranqüilos,
julgo que és de Natal forte atalaia,
e os morros são antigos peristilos!
Ergues-te à entrada da formosa barra,
e o teu vulto valiosa história encerra!
Guardas, assim soberba, assim bizarra,
lendas e tradições de minha terra!
São baluartes da pátria as Fortalezas,
peitos abertos desafiando as balas,
e tu das velhas frotas holandesas
nesta zona a passagem assinalas!
De teu farol a viva luz sem par
é um símbolo constante de esperança;
— olho acordado guiando no alto-mar
a nau que às vezes sem roteiro avança
Por negras noites de tristeza funda,
quando há no oceano velas retardadas,
és através da vastidão profunda.
o Anjo da Paz das céleres jangadas! . . .
E nunca mudarás! Nesse teu pasto,
entre essas ondas assanhadas medras!
Pode bater o mar contra o teu rosto!
O mar não quebra os membros teus de pedras!
Contam os mais antigos jangadeiros
que ali, na baixa da lendária “limpa”
viveram muitos anos três coqueiros
para as alturas elevando a grimpa! . . .
E as ondas pela praia se estirando
vinham de encontro aos “três irmãos” — coitados! —
escavando as raízes, escavando,
até vê-los na areia sepultados!
Comove a narração entrecortada
dos bronzeados e rústicos barqueiros!
Falam e têm a face perolada
de pranto, com saudade dos coqueiros!
Toda essa história, Fortaleza, é tua!
Bem conheceste esses coqueiros mortos;
sabes tudo, por certo, qual a sua
feição, se eram direitos, se eram tortos!
Por isso eu te amo; e quando vou de viagem
para outros portos, para mais distante,
levo presa à retina a tua imagem,
não posso nunca te esquecer um instante!
És porta do ameno Potengi!
Ei-lo, sereno, do teu muro após!
Falas de Camarão e de Poti,
dessa estirpe imortal dos meus avós!
Todas as vezes que ando pela praia,
sobre esses alvos cômoros tranqüilos,
julgo que és de Natal forte atalaia,
e os morros são antigos peristilos!
Barreto Sobrinho
FORTALEZA DOS REIS MAGOS
Sentinela indormida do passado
Guardando a foz azul do Potengi,
Acorda as hostes bravas de Poti
E mostra como tudo está mudado.
Tu viste os desatinos do reinado,
Os males que o invasor causou aqui,
As ordens do judeu Jacó Rabi,
Um Calabar, um Judas refinado.
E vês agora, um mundo todo novo:
O céu, a terra, o rio, o próprio povo;
A base, o porto, o guia da corrente.
A terra: um turbilhão de caminhões. . .
O céu: todo estrelado de aviões. . .
Natal, a capital do continente.
Dom Marcolino Dantas
FORTALEZA DOS REIS MAGOS
A poucos passos o Forte,
raiz da minha escolha,
deita o corpo sem falha
a cabeça escolhendo ó vento.
Sempre andei aos ângulos
do tempo das estrelas.
Eu não perdi retornos,
canto a cidade aberta,
canto a cidade certa.
Franco Jasiello
FORTALEZA
Ali plantada ao pé do mar, tristonha
Erguendo altiva a enorme sombra escura,
A Fortaleza, assim como quem sonha,
Limita o extremo norte da planura.
De um lado, o velho Potengi murmura
Uma canção de amor em voz tardonha
Enquanto o mar tenta escalar a altura,
Arfando, do outro, numa dor medonha.
Dizem que, à noite, quando tudo dorme
Um vulto de galera antiga e enorme
Enche do mar a vastidão deserta.
Brilha o farol, no alto da torre esguia
E ouve-se, então, dentro da noite fria,
Um toque de clarim, gritando alerta!
José Jannini
A Verdade e a Lenda
História de Santos Reis: a capela e o bairro
José Melquíades
Natal (RN):
Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1999.
Os Três Reis Magos têm uma história assaz curiosa, no relato evangélico e na fábula paralela. Jamais foram batizados nem tampouco canonizados. Quando João começou a batizar no rio Jordão, já não havia mais notícia deles. Nem mesmo se sabe se o primo de Jesus era batizado. Convém esclarecer que o batismo de João era meramente simbólico, sem caráter sacramental: um sinal de arrependimento e nada mais. Nenhum vidente profetizou sobre o Concílio de Trento, onde os sacramentos viriam a se oficializar com a infusão da graça, aquilo que Santo Agostinho definiu como “a forma visível de uma graça invisível”. Jesus foi batizado por João, mas jamais batizou alguém (Jo.,4,2).
A vinda dos Reis procedentes do Oriente é bastante vaga. O Evangelho não lhes menciona o número nem os nomes. Entretanto, um pouco antes da Idade Média já rezava uma lenda, baseada numa tradição, de que eram três e de que aqueles “astrólogos” eram reis e logo receberam nomes. Foram batizados pela imaginação prodigiosa dos crentes. Prevalece outra tradição que um deles era preto. De onde apareceu esse negrinho? Esses confrontos não encontram fundamentos bíblicos ou históricos. Mateus, o evangelista que os menciona, não diz que eram três, não lhes oferece identidade nem lhes define a cor. No cap. II, afirma secamente que vieram do Oriente, provavelmente da Babilônia onde se praticava a astrologia e se acreditava no envolvimento de poderes ocultos e fenômenos atmosféricos.
Antes do século III, dominava a crença popular de que eram 4, 5 ou 12. Nessa multiplicação espontânea ou mesmo na incerteza, formou-se a santa convicção de que eram três e também eram reis procedentes da Pérsia e já agora ligados à gruta de Belém. Essa sábia conclusão nasceu da tríada das ofertas. Alguns estudiosos e bons exegetas defendem o nascimento de Jesus
— Evite discussões insensatas, genealogias e contendas porque não têm utilidade, diz a epístola de Paulo a Tito. Vale lembrar que na vida dos grandes santos há sempre espaço favorável para lendas piedosas e milagres fabulosos, além de cavilosas imaginações. A identificação daquela estrela milagrosa tem dado muita dor de cabeça aos astrônomos que não são astrólogos. Pois tudo isso aconteceu para prova de nossa fé; e quis a Divina Providência que fossem encontrados os corpos dos Reis Magos e aí dispomos das belas imagens em trajes pérsicos. A Idade Média foi pródiga em milagres e grandes descobertas: encantadoras revelações. Os cadáveres dos santos são incorruptíveis, o que também contribui para o fortalecimento de nossa fé.
Graças a esse indispensável milagre, moldaram-se as imagens dos Magos com as vestimentas persas à maneira dos astrólogos de Zoroastro. Do mesmo modo vestiram Jesus com a toga dos romanos. Os nomes MeIquior, Gaspar e Baltazar foram arranjados no século IV, mas desde o século III já se sabia que eram reis: Melquior (o pretinho) é o único identificado com a realeza: mélki, em hebráico, quer dizer rei. Um rei preto, naquela época, seria o mesmo que um esquimó ser identificado como gigante. Quanto à cor de Melchior, esclareceu o Padre Vieira, usando de um anacoluto: os três reis orientais, que vieram adorar o Filho de Deus recém-nascido em Belém, é tradição da Igreja de que um era preto; e fica aí a tradição associada ao anacoluto. Que dizer da sulamita do Cântico dos Cânticos, na tradução da Vulgata: nigra sum, sed formosa. Nigra foi o termo que São Jerônimo encontrou para traduzir o hebráico she-khorah. Trigueira, morena e preta são outros adjetivos usados pelos tradutores em língua portuguesa. Trigueira ou morena deve-se ao que se lê em linha à frente: “sou morena, porque o sol me queimou”, equivalente á Vulgata: quod fusca sim, quia decoravit me sol . Em latim, fuscus, fusca, fuscum, quer dizer, escuro, trigueiro, fusco.
Sulamite ou sunamita, em hebraico, shulammit, eram os habitantes de Suname ou Suném, antiga cidade da Palestina, onde nasceu Abisage, que consolou Davi, na velhice. Não consta que houvesse negros, naquela região. Os comentadores da “bronzeada” de sol explicam que se trata de um símbolo de beleza ou rainha. E fica tudo na incerteza, na tradição e na dúvida, em 2 únicos exemplos bíblicos, em todas as raças semíticas, de Salomão a Jesus Cristo.
Sulamita é feminino de Salomão. Ora, Salomão, rei: sulamita, rainha. É fácil de se criar deduções; o difícil mesmo é prová-las. Se naquele tempo prevalecia a realeza trigueira, fica provado que o preconceito de cor é pecado mortal dos cristãos.
De qualquer modo, os três nomes ligados aos reis se relacionam aos reis de Társis com vistas ao “rei messiânico”. Suas relíquias encontravam-se em Roma ou Constantinopla, mas, em 1164 foram definitivamente transportadas de Milão para a catedral de Colônia onde são muito bem conservadas num santuário de ouro. Marco Polo, que descobriu maravilhas a caminho da China, assegura convictamente que viu os seus corpos, em 1272, na cidade persa de Saveh. Garante-nos ainda que “estavam intactos, conservadas as barbas e os cabelos”. Acreditava-se também que eles tenham sido sepultados naquela cidade. A crença é edificante; a visão é confortante. Mas o confronto com a verdade é vacilante e não convence. De qualquer modo, Marco Polo bem que poderia ter sido beatificado por tão confortadora revelação. A Idade Média continua responsável por essas transcendentes descobertas
Por exemplo, Pio II e o cardeal Bessarion andaram se desentendendo sobre o corpo de São Lucas. O Vaticano alegava que possuía a cabeça do evangelista. Os beneditinos contestavam, porque também possuíam outra cabeça. Ora, um santo com duas cabeças é um milagre bicéfalo: a multiplicação dos crânios, o que não deixa de ser milagre digno de veneração. E quase perdiam a cabeça o Papa e o Cardeal. O mesmo Pio II levou, em procissão, a cabeça de Santo André, colocando-a num relicário. Maravilhas do cristianismo! Voltemos com a história à gruta de Belém.
A estrela que seguiu os Magos, na concepção bíblica, é outra interpolação da estrela de Jacó extraída do livro dos Números: nascerá uma estrela de Jacó e subirá um cetro (Num. 24, 17). Os Magos e os astrólogos caldeus esposavam idéias extravagantes e estranhas concebidas através das estrelas do Oriente. Era rude a astrologia dos sumerianos. Os autores bíblicos eram chegados a visões e se deixavam envolver com essas quimeras: acreditavam cegamente nessas fantasias cósmicas, nesses fabulosos bólides. Lendo-se a escatologia apocalíptica tem-se a impressão que os fenômenos astrológicos expressam a vontade de Deus e se vê também quanto Deus era vingativo através dessas ilusórias fantasias. Concebiam que Deus sentava-se nas nuvens e ignoravam que as nuvens são um agregado de vapores aquosos condensados na atmosfera incapazes de suportar o peso da asa de um anjo.
De qualquer modo, foi essa estrela de Jacó que trouxe os Magos erroneamente a Belém. Entra na narrativa com efeito miraculoso. O nascimento de Jesus em Belém é reflexo do que se lê em Miquéias: de Belém virá o rei. (Miq. 5,2). As ofertas (ouro, incenso e mirra) baseiam-se nos dons oferecidos pelos reis de Sabá e Társis, conforme atesta o Salmo: os reis de Társis e das ilhas de Sabá oferecerão presentes, e Ihe trarão seus dons. Hão de adorá-lo todos os reis. De Sabá serão oferecidos ouro e incenso (SL. 72 - 10 e 11).
Sabá era um centro comercial da península árabe. Negociava ouro, aromas é pedras preciosas com Salomão e Tiro. Isaias menciona esse comércio. (IS. 60.6). Társis também mercantilizava com o rei de Tiro. Ezequiel enumera seus artigos e seus comerciantes. Tudo indica que era um arquipélago. São Paulo diz que os navios chegam a Társis pelo mar Vermelho (2 Cor.). O salmista convida Társis e as ilhas para “adorarem o rei messiânico”. São exemplos elucidativos.
Incenso queimado como sinal de culto divino já era utilizado nos ritos pagãos. Houve um tempo que a Igreja Ocidental recusou-se a usá-lo na liturgia devido sua aplicação nos ritos iniciáticos. A mirra é uma goma aromática extraída de um arbusto das terebintáceas (commiphora) abundante na Arábia e na Palestina.
Essa goma resinosa colocada no braseiro exala o mesmo odor do incenso. Misturada ao vinho tem efeito anestesiante. Serviram esse anódio a Jesus, no Calvário, para atenuar as suas dores. Pertence à família das plantas odoríferas: murr, em siríaco — amargo. Utilizava-se na confecção de perfumes. Prestava-se a embalsamentos e servia de remédio caseiro: o nosso amaríssimo chá de marcela. Na Arábia tinha grande valor comercial. Commiphora (commi), esse radical é corrutela de gummis — goma, a goma aromática que brota da casca furada no arbusto. Na oferta dos Magos, a mirra e o incenso serviam, talvez, para defumação, como as parteiras faziam com a alfazema queimada para anunciar o recém nascido. No rastro dessa tradição, a mirra participou do nascimento e da morte de Jesus. Intercalações bem confrontadas.
Com as belas improvisações da história, encarrega-se o folklore, palavra inglesa traduzida do alemão volksunde, no sentido de crenças populares. São essas crenças arranjadas que enriquecem o patrimônio histórico na evolução dos mitos e das lendas imaginosas.
O certo mesmo é que a trilogia das ofertas convenceu os exegetas de que realmente os Magos eram três. Tivessem trazido o metal re-fundido em Társis e seriam 4 reis coroados. A tradição tardia deu-lhes nomes, reduziu-lhes o número e Ihes deu cor, se quiserem uma observação à maneira de Cesare Cantu.
As ofertas foram colocadas em suas mãos e com o triunfo do cristianismo receberam um significado místico e simbólico: ouro: a realeza de Jesus; incenso, homenagem à divindade; mirra, em alusão à humanidade de Cristo. Brilhantes e encantadoras revelações.
Por muito menos, os alquimistas herméticos, que transformavam o “chumbo em ouro” e alteraram a química da Idade Média em pedra filosofal, foram acusados e censurados por terem convertido o tetagrama da cruz (I. N. R. I.) numa forma desvirtuada: igne natura renovatur integra — pelo fogo se renova a natureza. Como os alquimistas não gozavam de tradição e caíram na má reputação, pesa sobre eles a ardilosa invenção do INRI ígneo..
Convém lembrar que antes mesmo de Pilatos, ao que nos dizem, ter escrito o “titulo trilingüe” no alto da cruz (Jo. 19,2), já em hebráico antigo se conhecia coisa semelhante relacionada com os 4 elementos: Lammin, água; Nur, fogo; Ruah, atmosfera; labaschun, terra (INRI). De tanta antigüidade, não há certeza, advertia Camões, esse mesmo Camões audacioso defensor de Inês de Castro, a “linda Inês de doce fruito, de fermosos olhos nunca enxuitos”.
O que val e é que a tradição da Igreja é um conjunto de verdades reveladas pelo Espírito Santo. Duvidar quem há-de? Essas revelações permanecem inalteráveis no seu admirável simbolismo; e as dúvidas ficam por conta da autopistia. Desse modo, Belém, a gruta e os Magos tomam parte distinta na seqüência do nascimento de Jesus. Quem vai lá se lembrar de Herodes? Muito se tem discutido sobre a autenticidade das informações sobre a veracidade histórica; nem por isso a tradição ou a lenda deixa de perder o seu encanto.
Como se tudo isso não bastasse, na história desses Três Reis Magos, na Vida dos Santos organizada por Jacobus Vorine (Legenda Aurea), Simão Metafrastes, um hagiógrafo bizantino do século X, elaborou uma belíssima página de elogiável criatividade. Revela Metafrastes, com muita certeza, que os Três Reis Magos “eram sacerdotes e bispos”. Pregavam a fé “com grande fructo”. Tiveram revelação da própria morte e concordaram entre si o mesmo sepulcro. O Padre Manoel Bernardes, no tomo IV de sua Nova Floresta, acreditou nessa anedota e transcreve, em parte, as revelações de Metafrastes, que afirmava ter sido o mais velho Melquior e que este morreu na Oitava do Sagrado Sacramento, “depois de dizer missa “ (porque era sacerdote) , “tendo alcançado a avançada idade de 110 anos” bem contados. Os outros dois o sepultaram, o que deve ter sido uma emocionante celebração de exéquias. Baltazar, tendo a idade de 112 anos, morreu 10 dias depois; e Gaspar o enterrou. Seguiu-os daí a seis dias o mesmo Gaspar, que ficou no meio dos dois “por ser mais moço”. Metafrastes esqueceu de nos dizer quem enterrou Gaspar. Tudo muito bem programado. Mas, faça-se justiça, Bernardes se desculpou dizendo que tirou isso do “sobredito author Metafrastes”.
Não deixa de ser muito edificante e até engenhoso estes Reis Magos terem rezado missa lá pelo início do século II, quando a missa, como celebração eucarística, só foi introduzida na liturgia, no século VI, isso mesmo sem nenhuma unidade de ritos. No ano 962, sofreu outras alterações e só foi ordenada ou unificada com as reformas empreendidas no Concílio de Trento (1545 - 1563), no pontificado de Pio IV. O Missale Romanum, responsável pelo Canon ou Ordo Missae, é resultado desse Concílio, “ex decreto Sacrossancti Concilli Tridentini”, assinado pelo mesmo Pio IV: esqueçamos Metafrastes.
Metafrastes incluiu os Magos na hierarquia eclesiástica. Já o Padre Heredia, S. J., no seu livro Memórias de Um Repórter nos Tempos de Cristo (Ed. Vozes, SP – 1954) foi mais além. Conta ele que os três Reis Magos se hospedaram na casa do pai de um tal Samuel, na cidade de Hebron, quando fugiam de Herodes. Numa conversa muito amistosa, falaram sobre o bem e o mal. Diz o padre que eram três sábios: um egípcio, outro persa, o terceiro indiano. O persa disse que em seu país, ao bem chamava-se “ormazd” e ao mal, “ahrian”. O indiano acrescentou que na sua terra o mal era “siva’. O terceiro afirmou que no Egito, o mal era “tifon”. Confessaram que viram aparecer uma estrela como aviso do nascimento do Messias. Acrescentou ainda o indiano que lera em Confúncio a predição do nascimento de “um santo homem enviado do céu à terra”. Hebron era uma cidade de Judá indentificada com Abrãao. Que maravilha de revelação!
A esse modelo de indiscutível certeza os teólogos classificam como autopistia: crença imediata e independente de demonstração: prevalece a convicção; e isso nos basta. Fiquemos sempre lembrados que, na epifania dos Magos, a piedade popular acrescentou à história hagiográfica certos detalhes improvisados e até edificantes.
O que vale em tudo isso é a grandeza da na¬tividade divina e, particularmente, aqui, nessa narrativa, as imagens dos Reis Magos vindas para Natal em 1753, responsáveis pela formação do nosso bairro. O resto deixo a critério dos exegetas. Rezemos ao Senhor.
(*) O primeiro Santo canonizado por um papa foi Ubrich, bispo de Augsburg, falecido no ano 973 e canonizado pelo papa João XV no Concílio de Lotrão, em 993.
FORTE DOS REIS MAGOS
Olho nos cantos dos extremos vagos,
Na retentiva dos anais distantes
A namorar as dunas verdejantes,
Todo imponente, o Forte dos Reis Magos.
Como quem vê nos rituais oragos,
A história muda dos heróis marcantes
Um templo arroga as águas coleantes,
Recebendo das ondas mil afagos.
Sentinela da foz do Potengi,
Trincheira audaz das tribos de Poti,
Roga ao passado que de mim se acerque! . . .
Segreda tudo e dize em sonho a mim,
Se aqueles traços do castelo, enfim,
São rastros do maior dos Albuquerque!
Laurentino Bezerra
O Forte dos Reis Magos: história e lenda
A centroeste, de cima
da torre conventual
com túnica pára-raios,
o galo espreita Natal.
O vento da madrugada
sabe a leste duna e mar
e quando atinge o galo
não o corta: é cortado.
É raro. Mas quando o vento
Sopra forte, noite a fora,
pela cidade dormindo,
o galo da torre – embora
de tão estático, heráldico -
volta o perfil para o rio
que sobre o leito faz curvas
como serpentes no cio.
O galo o vê na nascente,
apesar de que, dali,
o homem mesmo com lentes
não o veja. O Potengi
percorre sua jusante
sem histórias a contar.
Filme virgem, sem legendas,
só se revela no mar.
Então o galo o que vê:
no encontro das duas águas,
o Forte dos Reis Magos
erguido como uma fraga.
Embora a história ensine
que foi feito por cristãos
(personagens dos Lusíadas)
o povo, em torno, diz não.
Pois crê mais na sua lenda:
ao apito de um holandês,
uma multidão de negrinhos
como sacis pererês
– com carapuças vermelhas –
surgiu dentre a penedia
e construiu o forte em pedra
como está hoje, num dia.
O Forte dos Reis Magos
Na boca da barra
Fala ainda hoje aos que são daqui
Que não é castelo
É forte e é do mar
Da terra de Poti
E lá permanece ainda
Para mostrar com quantas naus
Se fazia uma fortaleza igual
De taipa piche pedra barro
E qual o valor exato
De estar ali
Permanecer ali
Forte
Dos Reis Magos no Ocidente
De Natal
De Nossa Senhora de Apresentação
AFRANIO PIRES LEMOS
Do livro VERSOGRAFIA DE NATAL
FORTALEZA DOS REIS MAGOS
Em frente o mar, fervendo e espumando de ira,
Na nevrose do ódio, em convulsões rouqueja
E contra a Fortaleza imprecações atira
E blasfema e maldiz e ameaça e pragueja.
Todo ele se baba. E se arqueja e delira,
Na fervente paixão de vencê-la. . . Peleja.
Ergue o dorso e se empina e se estorva e conspira
E cai, magoando os pés daquela que deseja.
A Fortaleza altiva, agarrada às raízes,
Nem parece sentir as fundas cicatrizes,
Dos golpes com que o mar o seu corpo tortura.
Evocando o passado, avista as sentinelas,
No cruzeiro do sul a cruz das caravelas
E as flechas de Poti rasgando a noite escura.
A FORTALEZA
Monumento eternal e esplêndido da história
Potiguar. Que valor! Quanta grandeza encerra!
Vendo-o, vem-me à lembrança a lancinante guerra
Bátava e portuguesa, ao estimulo da glória.
Hoje, no seu recesso urna tristeza erra,
E o Forte vê que a vida é vã e transitória. . .
Deixaram-no. Somente a sombra merencória
Não no abandona e dá-lhe esse pesar que aterra.
Entre as ondas do Oceano Atlântico reaviva
O sonho heróico e bom dos nossos ancestrais
— Sonho de que nos fosse a sorte augusta e altiva!
À noite, inda um farol pelas vagas desfralda
E tem, como consolo nos soluços e ais,
A voz com que o embalam as águas de esmeralda.
Ponciano Barbosa